sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Exercício para a licenciatura.


Foi assim: uma estudante de Artes - Habilitação em Artes Visuais pediu que eu escrevesse uma crítica sobre alguma tendência pedagógica (isso foi no primeiro semestre de 2008). Acabou virando texto, que se converteu em polêmica e calorosa discussão em sala de aula, então por que não postar aqui, em tão democrático espaço? Ei-lo, exatamente como veio ao mundo:

DAS TENDÊNCIAS (E EVIDÊNCIAS) PEDAGÓGICAS

Ana Paula Russi
junho de 2008

Como acadêmica do Curso de Artes – Habilitação em Música, também eu estudei as Tendência Pedagógicas. Fui educada sob a ótica tradicionalista, positivista, da aula puramente expositiva. Acredito que quase todo o brasileiro passou pela experiência educacional tradicionalista, e por isso serei econômica nos comentários óbvios (todo mundo já disse que é chato, que educa pouco, que não usa a criatividade etc. etc. etc.). Pois bem: de disciplina todos precisamos, e, apesar de toda a (re)pressão e desestímulo que a Educação Tradicional impõe, uma coisa temos que admitir: através dela somos conduzidos à organização, à objetividade, aprendemos a pensar de forma cartesiana e lógica. Claro que isso não é tudo, ainda mais para os artistas e aspirantes a tal. Mas é importante também – inclusive para a classe artística.

Hoje as escolas de todo o Brasil ufanizam (pois ainda não realizam) um ensino em que o aluno tem liberdade para tudo. Ele escolhe o que quer aprender, quando quer aprender, como quer aprender. O professor se desdobra em múltiplas faces para acompanhar isso. Por favor, não pensem que sou contra a livre-expressão, a livre criação (lembrem-se, também sou artista). A criatividade é essencial e deve ser trabalhada em todas as suas possibilidades. Só que eu não consigo ter fé no sucesso de uma proposta pedagógica tão anárquica em uma sociedade massificada e capitalista, na qual as crianças já chegam à sala de aula entregues ao consumismo e à pseudocultura. Entendem do que estou falando? Então alunos, o que vocês desejam aprender na aula de hoje: Rebelde ou Britney Spears? Dança do Quadrado ou Egüinha Pocotó?

Eu vou dar um exemplo prático disso, que acontece muitas vezes no Curso de Artes da FURB: o professor deixa todo o conteúdo da disciplina a ser dado pelos alunos, na forma de seminário. A maioria dos alunos festeja (oba! Não vamos fazer prova!). Acontece que deixar um semestre de conhecimentos aprofundados sob responsabilidade do aluno depende da disponibilidade e da vontade do mesmo de aprender. Nessa onda de seminários eu já vi e ouvi algumas barbaridades: certa vez um professor começou a corrigir diversos equívocos na apresentação de uma aluna que, irritada, respondeu: “Ah Professor, eu não sei se isso tudo é verdade, peguei tudo na internet”. Não discordo da postura da aluna. Afinal de contas, ela trabalha, tem uma vida complicada. É justo conferir a ela a responsabilidade de se auto-educar e de transmitir a outros um conhecimento, até então, obscuro para ela? É por isso que, quando alguém fala que “o aluno é sujeito do conhecimento”, “o professor é apenas um conselheiro”, eu sempre respondo da seguinte maneira: eu, como aluna (e particularmente como pagante de curso), preconizo o conhecimento que vem do professor.

Espero não ser apedrejada pelo que falei. Não estou dizendo que o Ensino no país está ótimo, que não precisamos mudar nada. Muito menos que todos os alunos do Brasil são uns ignorantes. E menos ainda, estou incentivando a volta da palmatória e dos castigos corporais (!). Nada disso. Apenas acredito que a discussão precisa ser mais nacionalizada (e racionalizada), isto é, adequada às condições sócio-culturais do país. Regina Casé – atriz e produtora que sabe lidar com um público heterogêneo como o nosso – disse, há alguns meses: Não adianta: o povo brasileiro gosta mesmo é de ver TV. Seria bom ele fosse ao teatro, ao cinema, mas é a TV que faz parte da nossa cultura. Porque o método Paulo Freire é tão admirado? Porque é feito para o brasileiro. Então, assim como “vovó viu a uva” já não cabe ao educando brasileiro, também não creio que podemos esperar vê-lo adentrar a sala dizendo, por conta própria: “Nietzche viu Freud“.


8 comentários:

Xiristen disse...

Gostei muito do texto Ana!

Acho que não deveria vir do aluno a escolha do tema, ou a total busca pela informação.
O professor deveria pesquisar a realidade de seu aluno, e dentro dela, formar opções inteligentes e úteis, as quais o aluno deveria optar pelo que aprender.
Quanto aos seminários ou qualquer outro tipo de pesquisa, acho que o professor deveria ao menos sugerir alguns títulos de obras boas e confiáveis para o aluno pesquisar sobre determinado tema. Pois assim o educando não perderia tempo pesquisando informações erradas, e se tiver tempo e empenho, pesquisará mais obras, arriscando assim um trabalho melhor, mais crítico e abragente.

Concordo que a TV é favorita no Brasil, não que ela seja ruim, porém, é mal utilizada, não transmite arte, mas causa enfarte no coração do artista, e deixa inerte a atividade cerebral do povo.
Claro que falo de um modo geral, sei que existem bons programas na TV.

Acredito que com um bom ensino, as pessoas optarão por um meio de comunicação e entretenimento mais rico culturalmente, forçando a mídia a buscar conteúdos melhores para a família brasileira.

Xi

Anônimo disse...

Graduação é lugar de informação alem de formação! Que deve vir do professor e tambem do aluno, professor orienta e aluno pesquisa!
Importante quebrar os parametros!

Guilherme, professor de universidade sugere titulos e obras, caso contrario não é educador!

Já passei e pensei nisso, e posso afirmar, correr atras foi bom, abrir o livro errado tambem, mas nada melhor que pesquisar, aprender, e acertar! Principalmente sabendo que tem alguem capaz de me corrigir quando preciso.

=)

Ana Russi disse...
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Ana Russi disse...

Opa!

Muitíssimo obrigada pelas respostas. Quem bom eu a discussão não ficou a uma só voz!

É Xi, esse negócio de TV é complicado. A gente sabe que existem bons canais até na TV aberta. Trabalho no NRTV, que já foi afiliado da TVE e agora é do Futura... a programação dos dois canais é bem diversificada, voltada à educação e está à disposição de todos (por canal aberto), mas eu realmente não sei explicar porque não decola...

Ana, concordo plenamente quando você diz que o aluno deve (e merece) ter autonomia. Mas sustento que a educação, no seu todo, é uma responsabilidade grande demais para ele manter sozinho. Estou na terceira faculdade, e acho que metade do que aprendi na graduação, até agora, foi por conta própria. Só que estamos no sul do país, em uma região onde despontam a qualidade de vida e os recursos em educação. Blumenau, particularmente (e felizmente) não é um retrato da educação brasileira, é bem frágil considerar a nossa experiência de alunos sulistas, para falar nesta autonomia. Quebrar paradigmas é importante, mas antes é preciso estudar as condições e, sobretudo, as conseqüências de fazê-lo.

E espero que isso não pare por aqui. Um abraço, amigos!

Beato disse...

Olá Ana

é a primeira vez que visito seu blog.
Gostei muito do texto.
Faço teatro na FURB e já tentei dar aulas no estilo mais liberal possivel, e realmente temos que ter cuidado com que vivemos a educação seja na postura de aluno seja na postura de professor.
Espero vir mais vezes aqui.

Abraço

Enio Souza disse...
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Enio Souza disse...
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Enio Souza disse...

Eu passei por isso esses dias,sem contar a aula perdida,passou-se em branco.O tal do seminário!
Muito propício tua colocação,ai te pergunto estamos ali pra sermos instigados e contudo concordo e tbm não concordo por que a pesquisa é algo necessário pro teu conhecimento.
O embasamento acredito eu tem que vir do professor de sua vivência e próprias experiências,muito estranho pq é um repasse de informação não generalizando mas existe.Então o tema tem que ser dado pelo mestre,a pesquisa é do aluno com toda a certeza de que será orientado pelo professor e não pela própria reflexão opa temos que refletir mas a maioria do ser humano copia e ele sendo instigado a refletir entra em conflito consigo mesmo,apenas um empurrão, já que nos ensinos ditos normais não somos treinados para refletir e quando chega na universidade POW !!! Danou-se...Filosofias, textos e idéias complexas.*Na verdade é o aluno que faz a escola.E a questão de tempo é o preço do progresso, quem consegue vai quem não consegue corre atrás feito doido.
Isso é a educação do nosso país.
Sem contar a falácia que é nossa educação do Ensino Médio isto ainda que estou se referindo a minha época.Houve uma pequena mudança, muito pequena!

enio